quarta-feira, 21 de setembro de 2011

TRISTÃO E ISOLDA

Tristão, filho de Rivalen, rei de Loonois, e Blanchefleur, irmã de Marc, rei da Cornualhas. Recebeu este nome, pois sua mãe encontrava-se em profunda tristeza pela morte de seu marido. Foi educado por Rohalt, e acreditava  que este era seu pai. Aprendeu com Gorvenal todas as coisas que um cavaleiro deve saber. Quando jovem, foi raptado por mercadores irlandeses, que o deixaram nas Cornualhas, onde conheceu o rei Marc, sem saber que este era seu tio e vice-versa. Depois de muito procurar Tristão, Rohalt encontra-o, e conta-lhe que seu verdadeiro pai era Rivalen e sua mãe, Blanchefleur, irmã de Marc. Voltou  então a sua terra, reconquistou-a, deixando-a para Rohalt; e volta para junto do rei Marc (que já sabia que ele era seu sobrinho), levando consigo apenas Gorvenal.
        Para salvar Marc de uma dívida, lutou com gigante Morholt da Irlanda. Ficou ferido mortalmente, e pediu ao rei que o colocasse sozinho em um barco com sua harpa, e que o deixasse morrer em mar aberto. Foi, então, encontrado no porto de Weisefort, terra de Morholt. Sem saber, Isolda, a Loura, curou-o de seus ferimentos. Ninguém o reconheceu, pois o ferimento deformou seu rosto, e antes que fosse reconhecido, foi embora, voltando para o rei Marc.
O rei não queria casar-se, para poder deixar tudo para Tristão, mas  quatro barões, que não gostavam de Tristão, exigiam o casamento do rei. Então, ao pegar um fio de cabelo louro, mandou que buscassem a dona dele, e esta seria a sua esposa. Tristão, lembrando-se de Isolda, foi buscá-la.
        Foi a Weisefort, com cem homens, aportando lá, souberam da existência de um dragão, e quem o matasse, receberia a mão da filha do rei, Isolda, a Loura. Tristão matou a dragão, mas ficou ferido pelo seu veneno, e novamente Isolda o curou. Só que desta vez ela soube quem ele era. Mesmo assim, o rei da Irlanda, com a palavra empenhada, entregou  sua filha a Tristão. Isolda fica perturbada e surpresa ao saber que seu futuro marido seria o rei Marc, e não Tristão.
        No caminho às Cornualhas, Tristão e Isolda tomam uma poção que os faz ficar apaixonados (tal poção fora dada pela mãe de Isolda, aos cuidados de Brangien). E, era para ser tomada por Marc e Isolda na noite de núpcias, pois quem dela tomasse, amariam-se com todos os sentidos e pensamentos, para sempre, na vida e na morte. Isolda casa-se com o rei Marc, mas na noite de núpcias, Brangien toma seu lugar. Mas, os quatro barões invejosos desconfiam dos amantes, e contam ao rei, e mesmo sem nada flagrar, o rei manda Tristão embora. Este não consegue ir e hospeda-se perto do castelo, encontrando-se as escondidas com a rainha. Os barões percebem e contam ao rei o lugar e a hora do encontro. Marc vai até lá, mas os amantes percebem a sua presença, e com palavras sábias convencem o rei do contrário. O rei faz as pazes com Tristão e deixa que ele volte ao castelo. Mesmo assim, os barões insistem no fato, e dizem ao rei que este  não vê porque não quer. Com a ajuda de Frocin,o anão vidente, flagram Tristão com a rainha em seu leito. Tristão, ainda assim, jura nunca ter amado a rainha com amor culpável, mas o rei não acredita, e manda matá-los, sem julgamento. Tristão, com a ajuda de Deus, consegue fugir e Isolda é entregue aos leprosos. Mas, Tristão consegue salvá-la e a leva para morar na floresta: eram fugitivos.
How Kinh Mark found Sir TristamFicam na floresta durante muito tempo, até que um dia, um Monteiro os encontra e vai contar ao rei. Este vai até o local e encontra os dois deitados juntos, com uma espada nua separando seus corpos (isso significa garantia e guarda de castidade), o rei tem compaixão e não os mata, mas faz com que eles saibam que ele esteve ali e os viu. Ao acordarem, percebem que tinham sido descobertos, fogem, mas ficam intrigados com a atitude do rei, e chegam a conclusão que haviam sido perdoados. Resolvem então voltar, e Tristão entrega Isolda ao rei, e este a aceita, mas manda Tristão embora, a conselho dos barões. Antes de ir, Isolda pede de lembrança o cão Husdent de Tristão e lhe dá o anel de jaspe verde, presente de Marc, o qual deveria ser mostrado a ela, caso Tristão quisesse dar-lhe algum recado.
        Isolda, para provar sua inocência perante a corte, faz um teste que consistia em segurar um ferro em brasa e sair com as mãos ilesas, depois do juramento. Ela passa. Depois disto, Tristão ainda não conseguiu ir embora, e toda a noite ia até um pinheiro, perto da janela da rainha, e cantava como um rouxinol, até que ela viesse ao seu encontro. Mas os barões desconfiam e ele tem de ir embora. Vai para Gales com Gorvenal, para as terras de Gilain. Esta fazia tudo para agradá-lo, mas era em vão. Então Gilain mostrou-lhe um cão mágico, Petit-Crû, que trazia preso no pescoço um guizo mágico que espantava todas as tristezas. Tristão pensou em Isolda, e quis dar-lhe o cão de presente, e para conseguir isto matou o gigante Organ. Mandou Petit-Crû para a rainha e ela recebeu como se fosse presente de sua mãe. Realmente o cão alegrou-a, mas não achou justo somente Tristão sofrer, e jogou o guizo em alto mar.
        Tristão tentava fugir de sua dor correndo o mundo. E sem receber notícias de Isolda achou que ela o tinha esquecido. Chegou na Bretanha. Recuperou as terras do duque Höel, o qual tinha um filho, Kaherdin, e uma filha, Isolda, das Brancas Mãos, a qual o duque lhe deu a mão como recompensa. Num ímpeto, Tristão aceita, mas na noite de núpcias, ao ver o anel de jaspe verde, lembra-se da outra Isolda e não consuma o casamento. Kaherdin fica sabendo do fato e toma satisfações com ele, que conta toda a sua história. Isolda, a Loura, fica sabendo do casamento e chora.
        Kaherdin perdoa Tristão e vai com ele até as Cornualhas, para obterem notícias de Isolda. Lá chegando manda uma mensagem para a rainha, através de Dimas. Esta, ao ver o anel de jaspe verde, fala com Dimas, que lhe conta que mesmo casado, Tristão nunca lhe traíra. Marcam um encontro na estrada, nos espinheiros. Tristão ao ver a rainha, assobia como um pássaro, esta reconhece o canto, e marca um encontro no castelo de Saint-Lubin. Mas, eis que, um  escudeiro, chamado Bleheri, vê Kaherdin e Gorvenal, e confunde Kaherdin com Tristão, por causa do escudo. Chamou-o, mas estes assustados, fogem. O escudeiro conta o fato a rainha, que irritada e ofendida, manda desmarcar o encontro. Tristão tenta justificar-se, mas  Isolda não acredita. Ele, então vai atrás dela, disfarçado de mendigo, e pede sua clemência. Isolda o reconhece, mas mando os empregados  enxotá-lo. Tristão volta para a Bretanha desolado, e a rainha se arrepende.

        Kaherdin foi, levando o anel. Tristão pediu-lhe ainda que levasse duas bandeiras, uma preta e outra branca, e que na sua volta içasse a branca , se Isolda viesse, e a preta caso contrário. Ao ver o anel, Isolda, a Loura, fugiu com Kaherdin. Tristão definhava. Isolda demorou-se por causa de várias tempestades, mas finalmente estavam chegando com a vela branca içada. Isolda das Brancas Mãos disse a Tristão que Kaherdin estava chegando, e este perguntou qual a cor da bandeira asteada, e ela, maldosamente, respondeu que era preta. Depois de ouvir isto Tristão morre.
        Ao chegar, Isolda fica sabendo do ocorrido e vai até ele, deita-se junto a ele, beija-o na boca e no rosto, abraça-o forte e morre. Quando o rei Marc sabe da morte dos dois, vai até a Bretanha buscar seus corpos. Sepulta-os separados por uma capela. Mas durante a noite, da tumba de Tristão brota um espinheiro verde, com flores perfumadas e elevou-se por cima da capela até o túmulo de Isolda, três vezes o cortaram, três vezes ele voltou. E, sendo assim, resolveram deixá-los em paz.

PERSEU E MEDUSA

De acordo com o estudioso alexandrino Apolodoro, Perseu, o lendário fundador de Micenas, nunca teria nascido se seu avô tivesse conseguido seu intento. Acrísio, rei de Argos, era pai de uma linda filha, Dânae, mas estava desapontado por não ter um filho. Quando consultou o oráculo sobre a ausência de um herdeiro homem, recebeu a informação que não geraria um filho, mas com o passar do tempo teria um neto, cujo destino era matar o avô. Acrísio tomou medidas extremas para fugir deste destino. Trancou Dânae no topo de uma torre de bronze, e lá permaneceu numa total reclusão até o dia em que foi visitada por  Zeus na forma de uma chuva de ouro; assim deu à luz a Perseu. Acrísio ficou furioso, mas ainda achava que seu destino poderia ser evitado. Fez seu carpinteiro construir uma grande arca, dentro da qual Dânae foi forçada a entrar com seu bebê, sendo levados para o mar. Entretanto, conseguiram sobreviver às ondas, e após uma cansativa jornada a arca foi jogada nas praias de Sérifo, uma das ilhas das Ciclades. Dânae e Perseu foram encontrados e cuidados por um honesto pescador, Dictis, irmão do menos escrupuloso rei de Sérifo, Polidectes.
Com o passar do tempo, Polidectes apaixonou-se por Dânae, mas enquanto crescia Perseu protegeu ciumentamente sua mãe dos indesejados avanços do rei. Um dia, durante um banquete, Polidectes perguntou a seus convidados que presente cada um estava preparado a oferecer-lhe. Todos os outros prometeram cavalos, mas Perseu ofereceu-se a trazer a cabeça da górgone. Quando Polidectes o fez cumprir sua palavra, Perseu foi forçado a honrar sua oferta. As górgones eram em número de três, monstruosas criaturas aladas com cabelos de serpentes; duas eram imortais mas a terceira, Medusa, era mortal e assim potencialmente vulnerável; a dificuldade era que qualquer um que a olhasse se transformaria em pedra. Felizmente, Hermes veio em sua ajuda, e mostrou a Perseu o caminho das Gréias, três velhas irmãs que compartilhavam um olho e um dente entre si. Instruído por Hermes, Perseu conseguiu se apoderar do olho e do dente, recusando-se a devolvê-los até que as Gréias mostrassem o caminho até as Ninfas, que lhe forneceriam os equipamentos que necessitava para lidar com Medusa. As Ninfas prestimosamente forneceram uma capa de escuridão que permitiria a Perseu pegar a Medusa de surpresa, botas aladas para facilitar sua fuga e uma bolsa especial para colocar a cabeça imediatamente após a ter decepado. Hermes sacou uma faca em forma de foice, e assim Perseu seguiu completamente equipado para encontrar Medusa. Com a ajuda de Atena, que segurou um espelho de bronze no qual podia ver a imagem da górgone, ao invés de olhar diretamente para sua terrível face, conseguiu finalmente despachá-la. Acomodando a cabeça de modo seguro na sua bolsa, retornou rapidamente a Sérifo, auxiliado por suas botas aladas.
 
Ao sobrevoar a costa da Etiópia, Perseu viu abaixo uma linda princesa atada numa rocha. Esta era Andrômeda, cuja fútil mãe Cassiopéia tinha incorrido na ira de Posídon ao espalhar que era mais bonita do que as filhas do deus do mar Nereu. Para puni-la, Posídon enviou um monstro marinho para devastar o reino; apenas poderia ser parado se recebesse a oferenda da filha da rainha, Andrômeda, que foi assim colocada na orla marítima para esperar o terrível destino. Perseu apaixonou-se imediatamente, matou o monstro marinho e libertou a princesa. Os pais dela, em júbilo, ofereceram Andrômeda como esposa a Perseu, e os dois seguiram na jornada para Sérifo. Polidectes não acreditava que Perseu pudesse retornar, e deve ter sido bastante gratificante para Perseu observar o tirano ficar lentamente petrificado sob o olhar da cabeça da górgone. Perseu deu então a cabeça a Atena, que a fixou como um emblema no centro de seu protetor peitoral.
Perseu, Dânae e Andrômeda seguiram então juntos para Argos, onde esperavam se reconciliar com o velho rei Acrísio. Mas quando Acrísio soube desta vinda, fugiu da presença ameaçadora de seu neto, indo para a Tessália, onde, não conhecendo um ao outro, Acrísio e Perseu acabaram se encontrando nos jogos fúnebres do rei de Larissa. Aqui a previsão do oráculo  que Acrísio temia se realizou, pois Perseu atirou um disco, o qual se desviou do curso e atingiu Acrísio enquanto estava entre os espectadores, matando-o instantaneamente.
Perseu com sensibilidade decidiu que não seria muito popular voltar a Argos e reivindicar o trono de Acrísio logo após tê-lo morto; assim, ao invés, fez uma troca de reinos com seu primo Megapentes. Megapentes se dirigiu a Argos enquanto Perseu governou Tirinto, onde é considerado como responsável pelas fortificações de Midéia e Micenas.

ORFEU E EURÍDICE



"Orfeu, filho de Apolo e da Musa Calíope, recebeu de seu pai, como presente, uma lira e aprendeu a tocar com tal perfeição que nada podia resistir ao encanto de sua música. Não somente os mortais, seus semelhantes, mas os animais abrandavam-se aos seus acordes e reuniam-se em torno dele, em transe, perdendo sua ferocidade. As próprias árvores eram sensíveis ao encanto, e até os rochedos. As árvores ajuntavam-se ao redor de Orfeu e as rochas perdiam algo de sua dureza, amaciadas pelas notas de sua lira.

Himeneu foi convocado para abençoar com sua presença o casamento de Orfeu e Eurídice, mas, embora tivesse comparecido, não levou consigo augúrios favoráveis. Sua própria tocha fumegou, fazendo lacrimejar os olhos dos noivos. Coincidindo com tais prognósticos, Eurídice, pouco depois do casamento, quando passeava com as ninfas, foi vista pelo pastor Aristeu, que, fascinado por sua beleza, tentou conquistá-la. Ela fugiu e, na fuga, pisou em uma cobra, foi mordida no pé e morreu. Orfeu cantou o seu pesar para todos quantos respiram na atmosfera superior, deuses e homens, e, nada conseguindo, resolveu procurar a esposa na região dos mortos. Desceu por uma gruta situada ao lado do promotório do Tenaro e chegou ao reino do Estige, atravessando o lago na barca guiada por Caronte. Passando através de multidões de fantasmas, apresentou-se diante do trono de Plutão e Prosérpina e acompanhado pela lira, cantou:

"Ó divindades do mundo inferior, para o qual todos nós que vivemos teremos que vir, ouvi minhas palavras, pois são verdadeiras. Não venho para espionar os segredos do Tártaro, nem para tentar experimentar minha força contra o cão de três cabeças que guarda a entrada. Venho à procura de minha esposa, a cuja mocidade o dente de uma venenosa víbora pôs fim prematuro. O Amor aqui me trouxe, o Amor, um deus todo-poderoso entre nós, que mora na Terra e, se as velhas tradições dizem a verdade, também mora aqui. Imploro-vos: uni de novo os fios da vida de Eurídice.
Nós todos somos destinados a vós, por essas abóbadas cheias de terror, por estes reinos de silêncio, e, mais cedo ou mais tarde, passaremos ao vosso domínio. Também ela, quando tiver cumprido o termo de sua vida, será devidamente vossa. Até então, porém, deixai-a comigo, eu vos imploro. Se recusardes, não poderei voltar sozinho; triunfareis com a morte de nós dois.

Enquanto cantava estas ternas palavras, os próprios fantasmas derramavam lágrimas. Tântalo, apesar da sede, parou, por um momento seus esforços para conseguir água, a roda de Íxon ficou imóvel, o abutre cessou de despedaçar o fígado de Prometeu, as filhas de Danao descansaram do trabalho de carregar água em uma peneira e Sísifo sentou-se em seu rochedo para escutar. Então, pela primeira vez, segundo se diz, as faces da Fúrias umedeceram-se de lágrimas, Prosérpina não pôde resistir, e o próprio Hades cedeu. Eurícide foi chamada, e saiu do meio dos fantasmas, recém-vindos, coxeando, devido à ferida no pé. Orfeu teve a permissão de levá-la consigo, com uma condição: a de que não se voltaria para olhá-la, enquanto não tivessem chegado à atmosfera superior. Nessas condições, os dois saíram, Orfeu caminhando na frente e Eurídice, atrás, através de passagens escuras e íngremes, num silêncio absoluto, até quase atingirem as risonhas regiões do mundo superior, quando Orfeu, num momento de esquecimento, para certificar-se de que Eurídice o estava seguindo, olhou para trás, e Eurídice foi, então, arrebatada. Estendendo os braços, para se abraçarem, os dois apenas abraçaram o ar! Morrendo pela segunda vez, Eurídice não podia recriminar o marido, pois como haveria de censurar sua impaciência em vê-la?

- Adeus! - exclamou - Um último adeus!

E foi afastada, tão depressa, que o som mal chegou aos ouvidos de Orfeu. Ele tentou seguí-la, e procurou permissão para voltar e tentar outra vez libertá-la, mas o rude barqueiro repeliu-o e recusou passagem. Orfeu deixou-se ficar à margem do lago durante sete dias, sem comer nem dormir; depois, amargamente acusando de crueldade as divindades do Érebo, cantou seus lamentos aos rochedos e às montanhas, abrandando o coração dos tigres e afastando os carvalhos de seus lugares. Manteve-se alheio às outras mulheres, constantemente entregue à lembrança de seu infortúnio. As donzelas trácias fizeram tudo para seduzí-lo, mas ele as repeliu. Elas o perseguiram enquanto puderam, mas, vendo-o insensível, certo dia, excitada pelos ritos de Dionísio (*Baco*), uma delas exclamou: "Ali está aquele que nos despreza!" e lançou-lhe seu dardo. A arma, mal chegou ao alcance do som da lira de Orfeu, caiu inerme aos seus pés. O mesmo aconteceu com as pedras que lhe foram atiradas. As mulheres, porém, com sua gritaria, abafaram o som da música e Orfeu foi então atingido e, dentro em pouco, os projéteis estavam manchados de seu sangue. As furiosas mulheres despedaçaram o vate e atiraram sua lira e sua cabeça ao Rio Orfeu, pelo qual desceram ainda tocando e cantando a triste música, à qual as margens do rio respondiam com plangente sinfonia. As Musas ajuntaram os fragmentos do corpo de Orfeu e os enterraram em Limetra, onde, segundo se diz, o rouxinol canta sobre seu túmulo mais suavemente que em qualquer outra parte da Grécia. A lira foi colocada por Zeus entre as estrêlas. A sombra do vate entrou, pela segunda vez, no Tártaro, onde procurou sua Eurídice e a tomou, freneticamente, nos braços. Os dois passearam pelos campos venturosos, juntos agora, indo ele, às vezes, na frente, às vezes ela, e Orfeu a contemplava tanto quanto queria, sem ser castigado por um olhar descuidado.


"Muito cedo, porém, volve os olhos Orfeu
E de novo ela cai, e de novo morreu!
Como conseguirá as três Parcas domar?
Crime não houve teu, se não é crime amar.
E, agora, debruçado sobre os montes,
Junto à água das fontes
Ou onde o Hebro abre seu caminho
Orfeu chora sozinho
E, em luto e pranto, invoca a alma querida,
Para sempre perdida!
Agora, todo em fogo, clama, ardente,
Sobre a neve do Ródope imponente,
E ei-lo, furioso como o vento, voa
E, em torno, o ardor da bacanal ressoa.
Está morrendo, vede, e a amada canta,
Seu nome vem-lhe aos lábios, à garganta,
"Eurídice", a palavra derradeira.
"Eurídice", dizem as matas,
"Eurídice", as cascatas,
Repete o nome a natureza inteira."

AFRODITE

A chuva havia cessado e um clarão escarlate irrompia do Monte Olimpo espalhando-se pelas fachadas das casas caiadas de branco da cidade de Olímpia que, em festa, rendia tributos ao supremo deus dos deuses: Zeus. Dionísio, também, era reverenciado nas casas, através dos tonéis de vinho e nas alcovas e tendas dos amantes insaciáveis. Musas de cabelos encaracolados, de peles alvas e seios fartos imitavam as ninfas das florestas cobertas apenas com nesgas de seda que desciam do pescoço e se enrolavam nas nádegas carnudas. Jovens guerreiros, másculos e orgulhosos, se misturavam nas tendas coloridas sob os olhares sedentos das belas jovens.
 
Quando a noite chegou as tochas foram acesas emprestando tons mais fortes àqueles viventes e uma orgia, mesclada de vinho e incenso, se espalhou por toda a cidade: sem pudor, as jovens virgens se entregavam aos poderosos guerreiros que as carregavam nos braços para uma tenda e, selvagens, seguravam seus seios, arrancavam-lhes beijos ardentes e as possuíam pelo tempo que as forças lhes permitiam.
 
Zeus, do Olimpo, a tudo assistia ao lado de Hera, e a todo tempo mostrava a Dionísio que ele também era responsável por toda aquela orgia. Dionísio, com um sorriso zombeteiro, apenas dizia: “Os mortais, nesse instante de prazer, sentem-se deuses. Deixem-nos”. Zeus, contudo, estava abatido: Afrodite, a deusa do amor, a mais bela entre todas as deusas e mortais, desobedecia-o. Entregara-a para o mais infeliz de seus filhos – Hefesto – que nascera coxo, mas tornara-se um artista. Afrodite aceitou a imposição e casou-se com Hefesto, mas traia-o com Ares, o Deus da Guerra, o seu grande amor.
 
Nos corredores do palácio real Afrodite caminhava devagar, espalhando perfume de flores por onde passava. Seus cabelos loiros, sua pele alva e seus olhos azuis brilhavam e extasiavam os jovens deuses e causava fúria e inveja nas outras deusas, principalmente em Eris, a deusa da discórdia - que sabia que Afrodite era filha de Zeus com Perséfone, a deusa das flores.
 
Mais uma vez Afrodite deixou seu palácio e dirigiu-se para os braços de Ares que a esperava no leito. Mais uma vez Ares sentiu o corpo todo estremecer diante da estonteante mulher se despindo diante dele – tudo nela era perfeito e sua pele reluzia rija de desejo.
 
Enquanto isso, Eris incutia na mente de Hera que uma desgraça adviria daquele amor proibido se Zeus não o impedisse de continuar, pois Hefesto, filho legítimo de Zeus, já não era mais capaz de ser um grande artista. Hera exigiu de Zeus que terminasse com o amor de Afrodite e Ares, pela paz do Olimpo e da terra, ou ela convenceria Plutão, o deus da morte, a enviar uma praga que acometeria todos os mortais. Zeus suspirou e, não querendo discórdia com a esposa, dirigiu-se para o palácio de Ares e encontrou os dois amantes se deleitando sobre o leito em beijos apaixonados. Ordenou-lhes que se separassem daquele dia em diante e que Afrodite fosse plenamente fiel a Hefesto. Completamente nua ela se levantou e, em silêncio, deixou o aposento. Naquele mesmo dia ela anunciou a Hefesto que descansaria na Ilha de Chipre. Colocou sua túnica branca, seu cinto de ouro e partiu.
 
Na terra ganhou forma humana, enlouqueceu muitos homens e incutiu nas mentes de todos os mortais que o amor não é apenas encanto, devoção e prazer, mas crueldade, vingança e ciúme. Enquanto chorava o amor perdido, Afrodite banhava-se nas águas do lago, e da sua essência nasceu uma linda ave de pescoço longo e olhar lânguido aque os homens batizaram de cisne; e nas suas margens brotaram esplêndidas flores brancas, rosas, vermelhas e amarelas que foram batizadas de rosas e mirtos.
 
Ares, contudo, inconformado com a imposição de Zeus, desceu a terra e foi à procura da sua amada, encontrando-a nua e reluzente a banhar-se no lago. A saudade de ambos era tamanha que não proferiram palavras, apenas se entregaram à volúpia e os seus gemidos foram ouvidos por toda a terra e no Olimpo. Eris, que vigiava os passos de Ares, correu a contar para Zeus a desobediência dos amantes. Zeus, furioso, enviou um raio à terra que estremeceu os mares e as montanhas. Deixou o Olimpo, foi ao encontro dos amantes, achando-os sobre a relva macia de um bosque, e sentenciou: “deste instante e para sempre vocês estarão separados, ficarão no firmamento a olhar um para o outro, brilhando para os mortais”.
 
Assim, a primeira estrela a reluzir prateada no céu é Afrodite – que os romanos batizaram de Vênus - e, logo depois, deslumbrado com a sua beleza, surge o brilho vermelho de Ares – que os romanos batizaram de Marte – Os dois amantes condenados pela eternidade a se admirarem, distantes e infelizes.

O MITO DE NARCISO

Narciso nasceu possuidor de uma beleza excepcional. Na cultura grega, assim como em tantas outras, tudo o que excede, isto é, que ultrapassa os limites da média, acaba se tornando assustador, porque pode arrastar o indivíduo para a "hýbris", que para os gregos é o descomedimento, muito distante do "métron", o equilíbrio.
A mãe de Narciso, chamada Liríope, era uma náiade ou ninfa que habita rios e riachos. Foi ela à procura de Tirésias, um cego adivinho que possuía a arte da "mantéia", ou seja, a capacidade de ver o futuro. Ela perguntou se Narciso viveria até ficar velho, ao que o sábio respondeu: "Se ele não se vir…". O pai de Narciso era o rio Cefiso (Képhisos, o que banha, inunda). Assim, embora mortal, Narciso era um ser proveniente das águas por parte de pai e de mãe.
Conforme sua mãe temera, Narciso foi assediado por todas as ninfas e mortais que o viram. Mal ele crescera e havia uma profusão de mulheres apaixonadas por ele, deslumbradas com a sua beleza extasiante. Porém, não se sabia exatatamente o porquê, ele nada queria saber delas. Talvez não se sentisse ainda pronto para um relacionamento, ou, talvez, de tanto ouvir louvarem sua beleza, ficou orgulhoso e passou a desprezar as mulheres que o procuravam.
Havia uma ninfa que tinha uma história muito infeliz. Seu nome era Eco, e muito antes de ver Narciso e se apaixonar por ele, era uma moça falante — ela simplesmente falava sem parar. Zeus, o pai dos deuses gregos, sempre buscando um modo de enganar a sua esposa Hera, para que pudesse se deitar com qualquer ninfa ou mortal que lhe chamasse a atenção, mandou que Eco fizesse companhia a Hera e, assim, a distraísse. Passado algum tempo Hera percebeu a artimanha, e, como era seu costume, vingou-se na pobre ninfa, em vez de amaldiçoar seu marido, que afinal era o autor da malandragem. Hera fez com que Eco nunca mais conseguisse articular uma só frase; ela só podia repetir as últimas palavras de qualquer frase que ouvisse.
Aconteceu que, quando Eco já estava apaixonada por Narciso, ela o seguiu a uma caçada onde, por infelicidade, ele se perdeu dos amigos e começou a gritar à procura: "Ninguém me escuta?" “Escuta”, repetiu Eco. Ele porém não a via, pois ela se escondera com vergonha de tê-lo seguido. Então ele gritou aos amigos, pensando terem sido eles que responderam: "Vamos nos juntar aqui…". E Eco respondeu: “Vamos nos juntar aqui…”. E perdendo a timidez, apareceu de braços abertos para ele. Ele, contudo, a repeliu, dizendo que preferiria a morte a ficar com ela. Eco ficou tão triste e deprimida com a recusa que deixou de se alimentar e foi definhando até se transformar em um rochedo. Apenas sua voz permaneceu, e da mesma maneira que estava após a maldição de Hera: só repetia as últimas palavras do que era dito perto dela.
Então, houve uma revolta das ninfas, que foram procurar Nêmesis, a deusa da Justiça. Esta, depois de ouvir suas queixas, julgou que Narciso merecia o castigo de ter um amor impossível. Ignorando o castigo a que estava submetido, e com sede depois de outra caçada, Narciso se aproximou de um lago tão calmo e tão límpido que, ao curvar-se sobre as águas para beber, se deparou com sua imagem refletida e ficou pasmo diante de tanta beleza. O rosto que via parecia talhado em mármore e assemelhava-se à escultura de um deus. O pescoço esguio parecia trabalhado em marfim. A princípio não teria se dado conta de que aquela era a sua própria imagem. Nunca tinha se visto, como poderia se "re-conhecer" de imediato? Mas tão apaixonado ficou que tentou tocar aquele rosto, fosse de quem fosse e, qual não foi sua surpresa quando percebeu que seus movimentos se repetiam também nas águas! Só então concluiu que aquele era o seu rosto, tão maravilhoso que não conseguiu mais tirar os olhos de seu reflexo. Narciso morreu ali mesmo, de inanição, sem conseguir afastar os olhos da própria imagem. Quando, depois de sua morte, amigos foram procurá-lo, só encontraram à beira do lago uma flor de pétalas brancas e miolo amarelo, muito delicada, de rara beleza e de um perfume inebriante, a qual deram o nome de narciso.
Depois, ficou-se sabendo que, até no Hades (mundo subterrâneo para onde vão as almas dos mortos), ainda hoje ele procura ver seu reflexo nas escuras águas do rio Estige.

O que é Mitologia

Na Antigüidade o Ser Humano não conseguia explicar a Natureza e os fenômenos naturais (e parece-me que ainda hoje não compreende nem consegue explicá-los da mesma forma). Então, dava nomes ao que não podia explicar e passava a considerar os fenômenos como "deuses". O trovão inspirava um deus, a chuva outro. O céu era um deus pai e a terra, uma deusa mãe e os demais seres, seus filhos. Criava, a partir do Inconsciente, histórias e aventuras que explicavam de forma poética e profunda o mundo que o rodeava. Estas "histórias divinas" eram passadas de geração para geração e adquiriam um aspecto religioso, tornando-se mitos ao assumirem um caráter atemporal e eterno, por dizerem respeito aos conflitos e anseios de qualquer Ser Humano de qualquer tempo ou local. Estes núcleos arquitípicos mitológicos recebem o nome de "mitologemas". A um conjunto de mitologemas de mesma origem histórica, dá-se o nome de "mitologia". Aos mitos se uniam ritos que renovavam os chamados "mistérios". O rito torna ato (atualizam) um mito que se faz representar (atuar) em seu simbolismo encarnado nos "mistérios". Ao conjunto de ritos e símbolos que cercam um mitologema dá-se o nome de "ritual". Ao conjunto de rituais e mitos com origem histórica comum dá-se o nome de "religião". À religião sempre se unem preceitos ético-morais chamados "doutrinas religiosas", compostas por proibições a ("tabus") e ídolos ('totens"). Assim nasceram os deuses.
Todos os povos da terra, seja em localização no tempo e no espaço estiverem, todos sempre tiveram uma religião, composta de diversos ritos e mitos. Parece que a religião é uma necessidade imperiosa do Ser Humano e, em culturas em que a religião e suas manifestações estão proibidas ou desuso (como no comunismo, por exemplo) observa-se sempre a "eleição" inconsciente de "deuses" extra-oficiais que, num processo idólatra, procuram preencher as lacunas deixadas pela tradição religiosa. Na atualidade, o afastamento de nossa sociedade das tradições religiosas está gerando um duplo fenômeno idólatra: a iconificação de figuras tais como cantores e atores famosos e o fanatismo religioso em seitas e pequenas igrejas. Definitivamente não se pode viver sem ídolo, sem uma religião e sem seus mitos e ritos.

Porque Mitologia Grega
Há dois principais motivos que fazem da Mitologia grega a mais estudada das mitologias: sua racionalidade e sua importância histórica como base da Civilização Ocidental. Diz-se que os gregos antigos possuíam um "gênio racional", uma mente lógica por excelência. Esta "mete lógica"adaptou os mitos pré-existentes às necessidades da razão. Assim, absurdos foram corrigidos e coerência foi imprimida à Mitologia. Por exemplo, as religiões persas acreditavam que o Universo era fruto da guerra do Bem contra o Mal, da guerra dos seres da Luz contra os seres das Trevas e que a vitória daquela sobre estas dependia diretamente da execução de determinados rituais. Isso na prática quer dizer que os persas acreditavam que se sacrifícios não fossem feitos, haveria o sério risco do Sol não voltar a nascer pela manhã e de que as Trevas Eternas se abatessem sobre o planeta. Os gregos jamais se permitiriam aceitar tamanha ilogicidade e se viram obrigados a criar uma visão de mundo cujas leis fossem estáveis e confiáveis. Era evidente para o "gênio racional" grego que o Sol nasce a partir de uma força intrínseca a ele e ao Universo e não na dependência das ações humanas. Apareceram então os conceitos de "Ordem do Mundo" (Kosmos) e de "Natureza" (Physis), que os afastou das "trevas" da incerteza e da ignorância. O "Chaos" cedeu lugar ao "Kosmos" e nele reina necessariamente uma natureza lógica, previsível e estável. Apesar de ainda existirem inúmeras religiões, inclusive o Judaísmo e o Cristianismo, que se baseiam nas noções persas de um universo caótico na dependência dos atos humanos, foi dos conceitos de Kosmos e de Physis que surgiu a cultura ocidental, a Filosofia e a Ciência.

A Laicização da Mitologia Grega
Com o passar do tempo, a racionalidade grega foi superando a noção de religião e tornando-se de sacra em laica. Pela primeira vez na História apareceu na Grécia Antiga, na região da Jônia (atual Turquia) um pensamento laico puramente lógico e desvinculado totalmente da idéia do sagrado. Estes primeiros filósofos jônicos (pré-socráticos) nada mais fizeram do que transpor ipsis literi a Mitologia Grega em Filosofia. Mais tarde Aristóteles em Atenas explicaria a gênese do pensamento filosófico da mesma maneira como se explica a gênese do pensamento mitológico: "é através do espanto que os homens começam a filosofar". Os filósofos sempre tentaram explicar a Natureza e seus fenômenos, caindo inevitavelmente em contradições e as de seus companheiros de profissão. A Filosofia expandiu e acabou englobando áreas para muito além da descrição da Natureza e seus fenômenos, incluindo em si o estudo do Ser Humano e todos os fenômenos relacionados a ele e ao seu pensamento. No entanto, as contradições entre os filósofos continuariam a afligir o espírito humano por séculos, quer em relação aos métodos, quer em relação às teorias, quer em relação aos fenômenos. A Filosofia incumbiu-se finalmente de "assassinar" os deuses de onde havia nascido, afirmando que os deuses não passavam de alegorias místicas para as forças da Natureza que requeriam uma explicação lógica e jamais religiosa. Se os deuses existissem, eles seriam, tal qual os mortais, constituídos por átomos e submetidos às implacáveis e imutáveis leis naturais.
No Renascimento, Galileu Galilei foi o primeiro a levantar a necessidade de que se provassem as teorias filosóficas através da experimentação. A Filosofia então passaria lentamente a tornar-se obsoleta e cederia seu lugar à Ciência. René Descartes rompe com o passado e inaugura sua visão de mundo em que as tradições filosóficas já não mais queriam dizer nada. O Ser Humano passou a procurar desesperadamente provas concretas e experienciáveis (reprodutíveis) de que suas teorias são de fato. Nasceu o Método Científico e com ele um importante passo em direção à laicização do pensamento foi dado. Atualmente a Ciência é bastante confiável e goza de largo crédito junto ao público especializado e leigo, ao passo que as explicações filosóficas estão, digamos, um tanto "fora de moda". Quando se diz hoje em dia que algo é "científico", a maior parte das pessoas entende de que se trata da mais pura e irrefutável verdade, quando, de fato, deveria entender de que se trata de um resultado obtido através do Método Científico, ou seja: da tentativa e erro e da experimentação. Se já existem "narizes torcidos" para as idéias filosóficas quando confrontadas às idéias científicas, as idéias mitológicas como explicações para os fenômenos naturais estão totalmente fora de cogitação hoje em dia e beiram o absurdo. A laicização do pensamento é tal que há quem diga que os mito formam um conjunto que deveria receber o nome de "MINTOlogia"(!).

O Resgate da Mitologia
Existe uma espécie de preconceito generalizado contra os pensamentos não-científicos, especialmente contra os métodos filosóficos especulativos e o pensamento mítico.Porém, o estudo da Mitologia não pode ser visto com um interesse meramente histórico. A Mitologia Grega é a base do pensamento ocidental e guarda em si a chave para o entendimento de nosso mundo, de nossa mente analítica e de nossa psicologia. Ao se comparar a Mitologia Grega com as demais mitologias (africanas, indígenas, pré-colombianas, orientais, etc) descobre-se que há entre todas elas um denominador comum. Algumas vezes estaremos frente aos exatos mesmos deuses, apenas com nomes diferentes, sem que exista nenhuma relação histórica entre eles. Este material comum a todas as mitologias foi descoberto pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung e foi por ele denominado de "Inconsciente Coletivo". O estudo deste material revela-nos a mente humana e seus meandros multifacetados. Como foi dito, os mitos são atemporais e eternos e estão presentes na vida de cada Ser Humano, não importa em que tempo ou em que local.
O estudo da Mitologia torna-se então essencial a todo aquele que pretende entender profundamente o Ser Humano e sua maneira de ver o mundo. Os deuses tornam-se forças primordiais da natureza psíquica humana e readquirem vida e poder. Nota-se a sua utilização no cotidiano em cada pequeno detalhe. A existência real dos deuses mitológicos antigos em todas as suas roupagens étnicas reafirma em última instância a idéia de divindade em si: através dos deuses encontra-se a "idéia de Deus" e, através dela, Deus em toda sua misteriosa ambigüidade. A Mitologia transfere o conhecimento humano de um plano meramente materialista (científico) para um plano psíquico vivo (Inconsciente Coletivo) e deste, para um derradeiro plano espiritual. O desafio está em realizar a verdadeira "religião" (religação) do mundo externo ao mundo interno, do concreto ao abstrato, do material ao espiritual, do mortal ao imortal e eterno.

PANDORA

A mulher de barro jazia sobre o altar central. Os deuses, reunidos em círculo ao seu redor, ajustavam mentalmente a intensidade de suas vibrações num acorde uníssono. Uma energia poderosa começou a impregnar o local. E, no momento certo, Zeus aproximou-se do altar e estendeu as mãos sobre a criatura de barro.
- Ó Grande Espírito, que comanda os mundos visíveis e invisíveis, que engendrou a luz e as trevas, eu convoco sua força criadora. Faça de mim um veículo de sua energia e que seja eu capaz de insuflar a vida nesta criatura. Que seja ela um ser vivente, um corpo capaz de abrigar um espírito divino.
E deixou verter sobre a criatura o sangue rubro de um touro sacrificado. O sangue escorreu pela mulher e foi logo absorvido pelo barro. Suas feições foram se tornando mais suaves e o barro tomou uma cor rosada.
- Receba o sangue vivido que a tornará um ser vivente. Que o barro se transforme ao contato com o sangue do sacrifício, que se torne carne, fibras, músculos, ossos, nervos, entranhas e órgãos.
A criatura de barro desapareceu totalmente e deu lugar a um corpo humano feminino perfeito e belíssimo.
Hélio aproximou-se, trazendo nas mãos um vaso dourado, cheio de fogo sagrado e despejou-o sobre a moça. Esperou que a energia ígnea escorresse pelos canais sutis de seu organismo e se dividisse em duas partes, indo uma para o coração e outra para a base da coluna. Em seguida curvou-se, chegou seus lábios aos lábios da jovem ainda inerte e falou:
- Eu lhe insuflo o sopro divino.
Uniu seus lábios aos dela e soprou. No mesmo instante, ela deu um suspiro profundo e abriu os olhos.
Os deuses continuavam concentrados. A vibração do momento continuava intensa, fazendo ver que o ritual ainda não terminara.
Zeus, então, voltou-se para os deuses e disse:
- Aproximem-se, um de cada vez, e transmitam a esta mulher todos os atributos que deve possuir para que seja bela e fascinante aos olhos de qualquer um que dela se aproximar.
Ártemis deu um passo à frente e estendeu a mão direita sobre a moça.
- Que seja para sempre a depositária da graça e da leveza.
Voltou para seu lugar, sendo substituída por Atena.
- Eu lhe confiro a inteligência e o dom da arte da tecelagem.
Cobriu-a com sua manta e ofereceu-lhe o próprio cinto adornado de pedraria.
Afrodite se aproximou.
- Eu lhe ofereço a beleza e mais que a beleza, o desejo que atormenta os sentidos.
Um a um, os deuses foram se aproximando e dotando a jovem com todos os dons. E, por último, chegou Hermes. Aproximou-se dela com um sorriso matreiro nos lábios. Estendeu a mão direita e falou:
- Eu encho o seu coração com a mentira, com a astúcia, com as artimanhas, com o fingimento e com o cinismo.
Por fim, Zeus tomou-a pela mão e fez com que se levantasse.
- Erga-se e ingresse no mundo dos deuses. Seu nome é Pandora.
Pandora levantou-se e colocou-se no círculo, entre os deuses. A vibração continuava cada vez mais intensa. O ritual ainda não terminara.
De frente para o altar, Zeus abriu os braços em cruz.
- Neste momento e com o poder de que estou investido, faço adormecer em sono profundo todos os seres humanos, geração de Prometeu.
Prometeu, atado à pedra, ouviu o chamado de seu nome. Abriu os olhos e viu os homens caírem ao solo, profundamente adormecidos. Sua divina intuição lhe disse que algo os ameaçava. Tornou a fechar os olhos e procurou relaxar. Em sua tela mental foi surgindo a silhueta dos deuses reunidos no ritual. Respirou fundo e, mentalmente, foi separando seu corpo espiritual do físico, dorido, sofrido, amarrado à pedra escarpada. Leve, flutuou no espaço e, rapidamente, dirigiu-se ao Santuário dos Santuários. Ficou parado, no alto, procurando compreender o significado da cerimônia. Zeus continuava a falar, mergulhado em meio a uma energia dourada:
- Deste momento em diante, divido os seres humanos em duas partes. Numa delas, torno o aspecto masculino e, na outra, o aspecto feminino. Ao despertarem não serão mais andróginos, mas serão machos e fêmeas.
Com um gesto, chamou Pandora e colocou a mão sobre sua cabeça. Continuou:
- Às fêmeas, transmito todos os dons que lhe foram legados, Pandora.
Fechou os olhos, por instantes, em concentração. Depois voltou a abrir os braços em cruz.
- E aos homens e às mulheres determino que jamais voltem a encontrar seu oposto complementar, inibido, dentro de si. Deste momento em diante estão os seres humanos condenados a só procurarem o oposto que os complementará fora de si.
Neste instante, o espírito de Prometeu flutuou no ar e pousou, muito leve, em frente a Zeus.
- Por favor, Zeus, eu lhe suplico! Não condene os seres humanos a tão duro sofrimento. Eles não têm culpa de serem como são. O erro foi meu, que os criei cheios de imperfeições e já estou sendo punido por isto. Ao criá-los, pretendi que evoluíssem em inteligência e espírito, até transformarem-se em deuses. Por favor, Zeus, dê a eles ao menos uma chance.
Zeus olhou a figura etérea à sua frente e teve pena da tristeza que viu estampada em seu rosto.
- Está bem – disse por fim -, não mudarei o que foi feito, mas determino que somente o ser humano que for capaz de encontrar seu oposto complementar dentro de si mesmo, terá oportunidade de evoluir até transformar-se em um deus. E assim deixo gravada a minha Vontade.
A imagem fluídica de Prometeu sumiu por completo, a vibração do local foi se tornando suave. O ritual terminara.
No céu, Selene já procurava a linha do horizonte para recolher seu carro de prata e Hélio partiu, apressado, pois os dedos rosados de Aurora já tinham aberto as cortinas da noite para deixar sair sua carruagem de fogo.

EROS E PSIQUÊ

Psique era a mais nova de três filhas de um rei de Mileto e era extremamente bela. Sua beleza era tanta que pessoas de várias regiões iam admirá-la, assombrados, rendendo-lhe homenagens que só eram devidas à própria Afrodite.
Profundamente ofendida e enciumada, Afrodite enviou seu filho, Eros, para fazê-la apaixonar-se pelo homem mais feio e vil de toda a terra. Porém, ao ver sua beleza, Eros apaixonou-se profundamente.
O pai de Psique, suspeitando que, inadvertidamente, havia ofendido os deuses, resolveu consultar o oráculo de Apolo, pois suas outras filhas encontraram maridos e, no entanto, Psique permanecia sozinha. Através desse oráculo, o próprio Eros ordenou ao rei que enviasse sua filha ao topo de uma solitária montanha, onde seria desposada por uma terrível serpente. A jovem aterrorizada foi levada ao pé do monte e abandonada por seu pesarosos parentes e amigos. Conformada com seu destino, Psique foi tomada por um profundo sono, sendo, então, conduzida pela brisa gentil de Zéfiro a um lindo vale.
Quando acordou, caminhou por entre as flores, até chegar a um castelo magnífico. Notou que lá deveria ser a morada de um deus, tal a perfeição que podia ver em cada um dos seus detalhes. Tomando coragem, entrou no deslumbrante palácio, onde todos os seus desejos foram satisfeitos por ajudantes invisíveis, dos quais só podia ouvir a voz.
Chegando a escuridão, foi conduzida pelos criados a um quarto de dormir. Certa de ali encontraria finalmente o seu terrível esposo, começou a tremer quando sentiu que alguém entrara no quarto. No entanto, uma voz maravilhosa a acalmou. Logo em seguida, sentiu mãos humanas acariciarem seu corpo. A esse amante misterioso, ela se entregou.. Quando acordou, já havia chegado o dia e seu amante havia desaparecido. Porém essa mesma cena se repetiu por diversas noites.
Enquanto isso, suas irmãs continuavam a sua procura, mas seu esposo misterioso a alertou para não responder aos seus chamados. Psique sentindo-se solitária em seu castelo-prisão, implorava ao seu amante para deixá-la ver suas irmãs. Finalmente, ele aceitou, mas impôs a condição que, não importando o que suas irmãs dissessem, ela nunca tentaria conhecer sua verdadeira identidade.
Quando suas irmãs entraram no castelo e viram aquela abundância de beleza e maravilhas, foram tomadas de inveja. Notando que o esposo de Psique nunca aparecia, perguntaram maliciosamente sobre sua identidade. Embora advertida por seu esposo, Psique viu a dúvida e a curiosidade tomarem conta de seu ser, aguçadas pelos comentários de suas irmãs.
Seu esposo alertou-a que suas irmãs estavam tentando fazer com que ela olhasse seu rosto, mas se assim ela fizesse, ela nunca mais o veria novamente. Além disso, ele contou-lhe que ela estava grávida e se ela conseguisse manter o segredo ele seria divino, porém se ela falhasse, ele seria mortal.
Ao receber novamente suas irmãs, Psique contou-lhes que estava grávida, e que sua criança seria de origem divina. Suas irmãs ficaram ainda mais enciumadas com sua situação, pois além de todas aquelas riquezas, ela era a esposa de um lindo deus. Assim, trataram de convencer a jovem a olhar a identidade do esposo, pois se ele estava escondendo seu rosto era porque havia algo de errado com ele. Ele realmente deveria ser uma horrível serpente e não um deus maravilhoso.
Assustada com o que suas irmãs disseram, escondeu uma faca e uma lâmpada próximo a sua cama, decidida a conhecer a identidade de seu marido, e se ele fosse realmente um monstro terrível, matá-lo. Ela havia esquecido dos avisos de seu amante, de não dar ouvidos a suas irmãs.

A noite, quando Eros descansava ao seu lado, Psique tomou coragem e aproximou a lâmpada do rosto de seu marido, esperando ver uma horrenda criatura. Para sua surpresa, o que viu porém deixou-a maravilhada. Um jovem de extrema beleza estava repousando com tamanha quietude e doçura que ela pensou em tirar a própria vida por haver dele duvidado.
Enfeitiçada por sua beleza, demorou-se admirando o deus alado. Não percebeu que havia inclinado de tal maneira a lâmpada que uma gota de óleo quente caiu sobre o ombro direito de Eros, acordando-o.
Eros olhou-a assustado, e voou pela janela do quarto, dizendo:
- "Tola Psique! É assim que retribuis meu amor? Depois de haver desobedecido as ordens de minha mãe e te tornado minha esposa, tu me julgavas um monstro e estavas disposta a cortar minha cabeça? Vai. Volta para junto de tuas irmãs, cujos conselhos pareces preferir aos meus. Não lhe imponho outro castigo, além de deixar-te para sempre. O amor não pode conviver com a suspeita."

Quando se recompôs, notou que o lindo castelo a sua volta desaparecera, e que se encontrava bem próxima da casa de seus pais. Psique ficou inconsolável. Tentou suicidar-se atirando-se em um rio próximo, mas suas águas a trouxeram gentilmente para sua margem. Foi então alertada por Pan para esquecer o que se passou e procurar novamente ganhar o amor de Eros.
Por sua vez, quando suas irmãs souberam do acontecido, fingiram pesar, mas partiram então para o topo da montanha, pensando em conquistar o amor de Eros. Lá chegando, chamaram o vento Zéfiro, para que as sustentasse no ar e as levasse até Eros. Mas, Zéfiro desta vez não as ergueram no céu, e elas caíram no despenhadeiro, morrendo.
Psique, resolvida a reconquistar a confiança de Eros, saiu a sua procura por todos os lugares da terra, dia e noite, até que chegou a um templo no alto de uma montanha. Com esperança de lá encontrar o amado, entrou no templo e viu uma grande bagunça de grãos de trigo e cevada, ancinhos e foices espalhados por todo o recinto. Convencida que não devia negligenciar o culto a nenhuma divindade, pôs-se a arrumar aquela desordem, colocando cada coisa em seu lugar. Deméter, para quem aquele templo era destinado, ficou profundamente grata e disse-lhe:
- "Ó Psique, embora não possa livrá-la da ira de Afrodite, posso ensiná-la a fazê-lo com suas próprias forças: vá ao seu templo e renda a ela as homenagens que ela, como deusa, merece."
Afrodite, ao recebê-la em seu templo, não esconde sua raiva. Afinal, por aquela reles mortal seu filho havia desobedecido suas ordens e agora ele se encontrava em um leito, recuperando-se da ferida por ela causada. Como condição para o seu perdão, a deusa impôs uma série de tarefas que deveria realizar, tarefas tão difíceis que poderiam causar sua morte.
Primeiramente, deveria, antes do anoitecer, separar uma grande quantidade de grãos misturados de trigo, aveia, cevada, feijões e lentilhas. Psique ficou assustada diante de tanto trabalho, porém uma formiga que estava próxima, ficou comovida com a tristeza da jovem e convocou seu exército a isolar cada uma das qualidades de grão.
Como 2ª tarefa, Afrodite ordenou que fosse até as margens de um rio onde ovelhas de lã dourada pastavam e trouxesse um pouco da lã de cada carneiro. Psique estava disposta a cruzar o rio quando ouviu um junco dizer que não atravessasse as águas do rio até que os carneiros se pusessem a descansar sob o sol quente, quando ela poderia aproveitar e cortar sua lã. De outro modo, seria atacada e morta pelos carneiros. Assim feito, Psique esperou até o sol ficar bem alto no horizonte, atravessou o rio e levou a Afrodite uma grande quantidade de lã dourada.
Sua 3ª tarefa seria subir ao topo de uma alta montanha e trazer para Afrodite uma jarra cheia com um pouco da água escura que jorrava de seu cume. Dentre os perigos que Psique enfrentou, estava um dragão que guardava a fonte. Ela foi ajudada nessa tarefa por uma grande águia, que voou baixo próximo a fonte e encheu a jarra com a negra água.
Irada com o sucesso da jovem, Afrodite planejou uma última, porém fatal, tarefa. Psique deveria descer ao mundo inferior e pedir a Perséfone, que lhe desse um pouco de sua própria beleza, que deveria guardar em uma caixa. Desesperada, subiu ao topo de uma elevada torre e quis atirar-se, para assim poder alcançar o mundo subterrâneo. A torre porém murmurou instruções de como entrar em uma particular caverna para alcançar o reino de Hades. Ensinou-lhe ainda como driblar os diversos perigos da jornada, como passar pelo cão Cérbero e deu-lhe uma moeda para pagar a Caronte pela travessia do rio Estige, advertindo-a:
- "Quando Perséfone lhe der a caixa com sua beleza, toma o cuidado, maior que todas as outras coisas, de não olhar dentro da caixa, pois a beleza dos deuses não cabe a olhos mortais."
Seguindo essas palavras, conseguiu chegar até Perséfone, que estava sentada imponente em seu trono e recebeu dela a caixa com o precioso tesouro. Tomada porém pela curiosidade em seu retorno, abriu a caixa para espiar. Ao invés de beleza havia apenas um sono terrível que dela se apossou.
Eros, curado de sua ferida, voou ao socorro de Psique e conseguiu colocar o sono novamente na caixa, salvando-a.
Lembrou-lhe novamente que sua curiosidade havia novamente sido sua grande falta, mas que agora podia apresentar-se à Afrodite e cumprir a tarefa.
Enquanto isso, Eros foi ao encontro de Zeus e implorou a ele que apaziguasse a ira de Afrodite e ratificasse o seu casamento com Psique. Atendendo seu pedido, o grande deus do Olimpo ordenou que Hermes conduzisse a jovem à assembléia dos deuses e a ela foi oferecida uma taça de ambrosia. Então com toda a cerimônia, Eros casou-se com Psique, e no devido tempo nasceu seu filho, chamado Voluptas (Prazer).