quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O MITO DE NARCISO

Narciso nasceu possuidor de uma beleza excepcional. Na cultura grega, assim como em tantas outras, tudo o que excede, isto é, que ultrapassa os limites da média, acaba se tornando assustador, porque pode arrastar o indivíduo para a "hýbris", que para os gregos é o descomedimento, muito distante do "métron", o equilíbrio.
A mãe de Narciso, chamada Liríope, era uma náiade ou ninfa que habita rios e riachos. Foi ela à procura de Tirésias, um cego adivinho que possuía a arte da "mantéia", ou seja, a capacidade de ver o futuro. Ela perguntou se Narciso viveria até ficar velho, ao que o sábio respondeu: "Se ele não se vir…". O pai de Narciso era o rio Cefiso (Képhisos, o que banha, inunda). Assim, embora mortal, Narciso era um ser proveniente das águas por parte de pai e de mãe.
Conforme sua mãe temera, Narciso foi assediado por todas as ninfas e mortais que o viram. Mal ele crescera e havia uma profusão de mulheres apaixonadas por ele, deslumbradas com a sua beleza extasiante. Porém, não se sabia exatatamente o porquê, ele nada queria saber delas. Talvez não se sentisse ainda pronto para um relacionamento, ou, talvez, de tanto ouvir louvarem sua beleza, ficou orgulhoso e passou a desprezar as mulheres que o procuravam.
Havia uma ninfa que tinha uma história muito infeliz. Seu nome era Eco, e muito antes de ver Narciso e se apaixonar por ele, era uma moça falante — ela simplesmente falava sem parar. Zeus, o pai dos deuses gregos, sempre buscando um modo de enganar a sua esposa Hera, para que pudesse se deitar com qualquer ninfa ou mortal que lhe chamasse a atenção, mandou que Eco fizesse companhia a Hera e, assim, a distraísse. Passado algum tempo Hera percebeu a artimanha, e, como era seu costume, vingou-se na pobre ninfa, em vez de amaldiçoar seu marido, que afinal era o autor da malandragem. Hera fez com que Eco nunca mais conseguisse articular uma só frase; ela só podia repetir as últimas palavras de qualquer frase que ouvisse.
Aconteceu que, quando Eco já estava apaixonada por Narciso, ela o seguiu a uma caçada onde, por infelicidade, ele se perdeu dos amigos e começou a gritar à procura: "Ninguém me escuta?" “Escuta”, repetiu Eco. Ele porém não a via, pois ela se escondera com vergonha de tê-lo seguido. Então ele gritou aos amigos, pensando terem sido eles que responderam: "Vamos nos juntar aqui…". E Eco respondeu: “Vamos nos juntar aqui…”. E perdendo a timidez, apareceu de braços abertos para ele. Ele, contudo, a repeliu, dizendo que preferiria a morte a ficar com ela. Eco ficou tão triste e deprimida com a recusa que deixou de se alimentar e foi definhando até se transformar em um rochedo. Apenas sua voz permaneceu, e da mesma maneira que estava após a maldição de Hera: só repetia as últimas palavras do que era dito perto dela.
Então, houve uma revolta das ninfas, que foram procurar Nêmesis, a deusa da Justiça. Esta, depois de ouvir suas queixas, julgou que Narciso merecia o castigo de ter um amor impossível. Ignorando o castigo a que estava submetido, e com sede depois de outra caçada, Narciso se aproximou de um lago tão calmo e tão límpido que, ao curvar-se sobre as águas para beber, se deparou com sua imagem refletida e ficou pasmo diante de tanta beleza. O rosto que via parecia talhado em mármore e assemelhava-se à escultura de um deus. O pescoço esguio parecia trabalhado em marfim. A princípio não teria se dado conta de que aquela era a sua própria imagem. Nunca tinha se visto, como poderia se "re-conhecer" de imediato? Mas tão apaixonado ficou que tentou tocar aquele rosto, fosse de quem fosse e, qual não foi sua surpresa quando percebeu que seus movimentos se repetiam também nas águas! Só então concluiu que aquele era o seu rosto, tão maravilhoso que não conseguiu mais tirar os olhos de seu reflexo. Narciso morreu ali mesmo, de inanição, sem conseguir afastar os olhos da própria imagem. Quando, depois de sua morte, amigos foram procurá-lo, só encontraram à beira do lago uma flor de pétalas brancas e miolo amarelo, muito delicada, de rara beleza e de um perfume inebriante, a qual deram o nome de narciso.
Depois, ficou-se sabendo que, até no Hades (mundo subterrâneo para onde vão as almas dos mortos), ainda hoje ele procura ver seu reflexo nas escuras águas do rio Estige.

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